Em uma loja de bicicletas escondida em um beco atrás da Rua Moore, em Dublin, três brasileiros que trabalham com entregas por aplicativo, discutem o que dizem ser um número crescente de ataques contra trabalhadores do ramo.
"Eu acho que existe uma gangue contra brasileiros aqui", disse Luiz Fernando, entregador, ao Prime Time.
"Não sei por que, e não sei quando, mas eles começaram a nos empurrar, a nos roubar e roubar nossas bicicletas, a nos atacar com pedras, facas. Todos os dias nós temos um ou dois casos assim", relata o entrevistado.
A loja Seven Bikes, onde bicicletas elétricas podem ser alugadas e consertadas, tornou-se um ponto de encontro para a comunidade brasileira em Dublin.
O Sr. Fernando contou ao Prime Time sua desilusão com os recentes ataques gratuitos contra entregadores.
"Mas eu espero que isso seja só um momento, eu juro por Deus que eu espero que isso seja só uma fase. Porque quando eu falo com as pessoas que já moraram aqui, e familiares que já moraram aqui, eles não passavam por isso", disse o entregador.
"Tá se tomando uma proporção que tá ficando fora de controle,", acrescentou.

O brasileiro Felipe Carvalho que trabalha com entregas de comida por aplicativo, foi agredido e assaltado por três homens na Rua Grafton, em Dublin, no mês passado.
O Sr. Carvalho, que também atua como condutor de rickshaw para complementar a renda como entregador, foi golpeado no rosto, o que resultou em um ferimento no nariz e alguns hematomas. Seu celular também foi roubado.
Após o ataque, ainda com sangue em seu rosto, o Sr. Carvalho postou sobre sua experiência no Instagram.
"Então, pessoal, fica o alerta, realmente tomar cuidado nas ruas, ficar atento ao celular porque a coisa realmente tá feia."
Ao conversar com o Prime Time no dia em que retornou ao trabalho após o ataque na Rua Grafton, o Sr. Carvalho contou que já viveu em cidades brasileiras, como São Paulo e Belo Horizonte.
"E, nessas duas cidades, eu nunca tive o celular roubado nem fui agredido. E, aqui, isto aconteceu," relatou ao Prime Time.
"Trabalhar nas ruas de Dublin à noite, no centro, do tempo que eu vivo aqui pra cá, eu percebo que tá cada dia mais perigoso."

As notícias sobre os ataques contra entregadores de aplicativo na Irlanda chegaram à América Latina.
Nas últimas duas semanas, a rede de televisão Record, segunda maior emissora comercial do Brasil, transmitiu uma reportagem com a seguinte chamada: "Você acredita que lá na Irlanda tem uma onda de agressões contra estrangeiros? E os brasileiros estão na ponta?".
Outro entregador de aplicativo que falou ao Prime Time, contou que agora teme o que possa encontrar durante as suas entregas nas ruas de Dublin.
"Não estamos aqui para roubar empregos nem nada", garantiu Denner da Cunha, complementando que está começando a ter medo dos clientes.
"Quando estou entregando um pedido, não sei o que esperar dos clientes – se ele vai tentar me atacar ou, talvez, só fazer um elogio. Então, eu continuo com medo".
O Sr. Cunha relata que também há momentos em que os entregadores de aplicativo são intimidados por gangues de adolescentes.
"Eles usam esses conjuntos de abrigo da North Face, os cinzas, e simplesmente não gostam de imigrantes."
Ao serem questionados se há áreas em Dublin onde não fariam entregas à noite, vários dos trabalhadores que conversaram com o Prime Time mencionaram Cabra, Ballymun, Finglas e Ballyfermot.

Fiachra Ó Luain, da União de Estudantes de Inglês - English Language Students Union (ELSU), tem lutado para melhorar o salário e as condições de trabalho dos entregadores de aplicativo desde 2020.
"Se você chega a este país e não sabe muito a língua inglesa, inicialmente é uma opção atraente, porque basicamente você pode pagar um depósito, alugar uma bicicleta e, depois, alugar uma conta de alguém que a possua – o titular nomeado", disse ao Prime Time.
A maioria dos entregadores de aplicativo atua na Irlanda com um visto de estudante que lhes permite trabalhar 20 horas semanais.
Este tipo de visto não permite o trabalho autônomo, portanto os entregadores não podem se candidatar diretamente para o serviço nas plataformas de entrega. Mas existe uma alternativa.
"Para ter uma conta na Deliveroo, Just Eat e Uber Eats, eles precisam ser irlandeses, cidadãos europeus ou ter um visto tipo Stamp 4. O que acontece é que o titular da conta muitas vezes vai alugá-la para alguém, obtendo uma renda passiva a partir do trabalho de outra pessoa", explicou o Sr. Ó Luain.
"Basicamente, o que se tem é um sistema de trabalho em dois níveis e a criação de uma subclasse de trabalhadores que não tem o salário mínimo garantido, por vezes muito menos, cerca da metade disso, e pode trabalhar até 14 horas por dia recebendo 70 euros, é uma loteria."
Muitos entregadores pagam entre 50 e 100 euros por semana para alugar uma conta de outra pessoa em plataformas de delivery. Segundo o Sr. Ó Luain, normalmente os trabalhadores têm despesas gerais em torno de 170 euros por semana.
"É isso que eles precisam conseguir pagar, pelo menos antes de obterem algum lucro para viverem em uma das cidades mais caras da Europa", completa.

Custo de vida
No Dia dos Namorados na Irlanda, 14 de Fevereiro, coincidindo com ações similares no Reino Unido, Estados Unidos e em toda a Europa, entregadores de comida em Dublin entraram em greve exigindo melhores remunerações de aplicativos como Deliveroo, Uber Eats e Just Eat.
Os trabalhadores afirmam que o valor mínimo por entrega na Irlanda caiu de 4,30 euros em 2019, para 2,90 atualmente. Eles dizem que o pagamento oscila regularmente, podendo ser de 400 euros em uma semana, para 600 euros na outra.
Muitos deles fazem longas jornadas de trabalho buscando ganhar dinheiro suficiente para sobreviver. Alguns dizem que conseguem em média duas entregas por hora, mas podem acabar esperando até 30 minutos pela preparação do pedido em um restaurante.
Um entregador nos disse que consegue entre 60 a 80 euros trabalhando dez horas entre segunda e quinta-feira, valor que aumenta para 80 a 120 euros por dia nos finais de semana.
Um porta-voz da Deliveroo, plataforma de delivery de comida, contou ao Prime Time que eles visam "proporcionar aos entregadores flexibilidade de trabalho, que eles dizem valorizar, oportunidades de ganho atraentes e competitivas, e proteções".
"Os entregadores ganham, ao menos, o salário mínimo nacional, mais os custos pelo tempo em que trabalham", diz o comunicado.
A empresa também alega que oferece aos trabalhadores seguro gratuito, cobertura por enfermidade, suporte financeiro para novos pais e oportunidades de treinamento.
Um porta-voz do aplicativo de entrega de comida Just Eat, disse que "os entregadores ganham, em média, mais do que o salário mínimo nacional, e um valor condizente ao tempo trabalhado durante um pedido".
Deliveroo e Just Eat afirmam que operam totalmente dentro dos requisitos legais, incluindo regras para o uso de uma conta por outra pessoa que não a titular. Prime Time também averiguou que, desde o mês passado, o Deliveroo vem implementando uma tecnologia de reconhecimento facial para fortalecer o processo de identificação de quem possui conta em sua plataforma.
O Prime Time entrou em contato com a empresa Uber Eats para comentar sobre o assunto, mas não obteve resposta.
O mercado de entrega de comidas e pedidos para a viagem é um grande negócio, movimentando anualmente 2,2 bilhões de euros na Irlanda, de acordo com o relatório sobre entrega de comida publicado pela Just Eat em 2023.
Referenciando uma pesquisa, o Dr. Breige McNulty, Professor Associado em Nutrição da University College Dublin (UCD), explicou ao Prime Time que os irlandeses obtém cerca de 15% de suas calorias através de refeições do tipo takeaway, ou seja, retiradas no estabelecimento e, geralmente, consumidas em outro lugar.

Indústria de restaurantes
O setor de restaurantes também critica as plataformas de delivery de comida, pois algumas cobram uma comissão de 30% para a entrega.
Um porta-voz da Deliveroo disse que trabalha com mais de 2.000 restaurantes irlandeses. "Nossas taxas de comissão são competitivas e significam que os restaurantes não necessitam oferecer serviços próprios de entrega."
A Just Eat disse que "apesar do aumento dos custos externos, nossas taxas para os restaurantes parceiros se mantém extremamente competitivas no mercado".
"Nós acreditamos que nossas taxas de comissão estão alinhadas ao valor que fornecemos aos nossos parceiros, e temos um histórico em ajudar restaurantes a prosperarem", alegou a empresa em comunicado.
As plataformas de entrega de comida são frequentemente criticadas, pois o trabalho dos entregadores é realizado de acordo com seus algoritmos, e os entregadores estão, como descreve a União de Estudantes de Inglês - English Language Students Union (ELSU), sob "controle algoritmo", que dita seu fluxo de trabalho e as taxas de pagamento.

Existe uma percepção de que o papel dos algoritmos no trabalho cotidiano dos entregadores de comida é um sinal do que está por vir também em outras profissões.
A Dra. Sally Applin, especialista em algoritmos e automação no Vale do Silício, disse ao Prime Time que "estamos experimentando uma aceleração de diferentes profissões se tornando automatizadas".
"As pessoas que pensam que sua profissão não será automatizada ou que não tentarão automatizá-la, não estão prestando atenção", acrescentou a Dra. Applin.
No mês passado, o Parlamento Europeu aprovou novas regras, nas quais trabalhadores de plataformas de entrega podem ser classificados como empregados diretos, em vez de somente contratados, no futuro.
As regras também regulamentam o uso de algoritmos no local de trabalho. Membros da União Europeia agora têm dois anos para transformar essa decisão em legislação nacional.
De volta à loja Seven Bikes, os entregadores brasileiros esperam que as coisas melhorem. Matheus Tanner diz que a vida na Irlanda não corresponde às expectativas de muitos brasileiros.
"É preocupante porque você chega aqui querendo uma expectativa melhor de vida, você acaba que é vendido por um sonho que não existe. Você chega aqui e é uma realidade totalmente diferente."
Este artigo foi traduzido do Inglês para o Português por Bárbara Soares. O relatório completo do repórter Conor McMorrow e do produtor Aaron Heffernan será transmitido na edição de 21 de Maio do Prime Time na RTÉ One e na RTÉ Player.